A Lei 13.979/20 e as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública

Publicado em 30-03-2020

Para fins de enfrentamento da emergência de saúde pública, decorrente da propagação do coronavírus, foi editada a Lei 13.979/20, que prevê medidas que objetivam a proteção da coletividade.

A Lei 13.979/20 dispõe que a duração da situação de emergência de saúde pública será estabelecida por ato do Ministro de Estado da Saúde, não podendo, todavia, extrapolar o prazo declarado pela Organização Mundial da Saúde.

As primeiras medidas sobre as quais versa a Lei 13.979/20 estão previstas em seu art. 3º e apenas podem ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e devem ser limitadas no tempo e espaço, ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.

As medidas previstas no art. 3º, incs. I a V, versam acerca da implementação de medidas compulsórias relativas à prevenção, diagnóstico e tratamento dos casos de coronavírus.

Nesse contexto, foi prevista a adoção de medidas como: (i) o isolamento, compreendido como separação de pessoas doentes ou contaminadas, bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de modo a evitar a contaminação ou propagação do vírus; (ii) a quarentena, compreendida como a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de modo a evitar possível contaminação ou a propagação do vírus; (iii) a determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos; (iv) o estudo ou investigação epidemiológica; e (v) a exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver.

De forma semelhante, o art. 5º determina a obrigatoriedade da comunicação imediata de possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus e de circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo vírus. Ademais, o art. 6º, § 1º, prevê a obrigação de as pessoas jurídicas de direito privado compartilharem com a administração pública informações essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária e a solicitação tiver como finalidade evitar a propagação do agente infeccioso.

A adoção de tais medidas se pauta no legítimo exercício do poder de polícia, poder-dever da administração pública de impor restrições ao exercício das liberdades individuais e ao uso da propriedade privada pautadas na busca pela consecução do interesse público. No contexto da COVID-19, a imposição de medidas de isolamento e quarentena, bem como a determinação de realização compulsória de procedimentos médicos e a adoção de medidas correlatas aos cadáveres, desde que devidamente fundamentada, com embasamento científico, por tempo determinado e que guarde nexo de causalidade com a prevenção e tratamento da doença, encontra amparo no ordenamento jurídico, devendo ser observada.

É importante observar que as pessoas afetadas pelas medidas contidas no art. 3º da Lei 13.979/20 têm assegurado o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e assistência à família, o direito de receberem tratamento gratuito, bem como é assegurado o seu direito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, em consonância com o art. 3º do Regulamento Sanitário Internacional. Além disso, o período de ausência decorrente das medidas previstas no art. 3º da Lei 13.979/20 será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada.

Deve-se atentar também para o fato de que as medidas de isolamento e quarentena devem obedecer às condições e prazos fixados por ato do Ministro de Estado da Saúde, não obstante também possam ser adotadas pelos gestores locais de saúde, desde que devidamente autorizados pelo Ministério da Saúde. Também depende da referida autorização a adoção das medidas de exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver.

Já as medidas de realização compulsória de procedimentos médicos, bem como a de estudo ou investigação epidemiológica podem ser adotadas pelos gestores locais de saúde, independente da autorização do Ministério da Saúde.

Em seguida, o art. 3º da Lei 13.979/20 previu a adoção de medidas de restrição de entrada e saída do país e de locomoção interestadual e intermunicipal, por rodovias, portos ou aeroportos, desde que excepcional e temporária e de acordo com recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Além das medidas já citadas, o art. 3º, inc. VII, da Lei 13.979/20 prevê a requisição administrativa de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas. Dessa forma, além da previsão contida no art. 5º, inc. XXV, da Constituição Federal, a requisição administrativa passa a ser expressamente autorizada como medida de enfrentamento da emergência de saúde pública relativa à epidemia do coronavírus.

Destaca-se aqui que a requisição administrativa, como tradicionalmente tratada na doutrina, é ato unilateral e auto executório, em relação ao qual o particular possui o direito de indenização posterior caso seja comprovada a ocorrência de dano. Em outras palavras: a administração pública não depende de anuência do particular para instituir a requisição administrativa, a qual também não comporta discussão prévia acerca de eventual indenização.

Nesse ponto, impende salientar que, em que pese a ausência de condicionamento da indenização à demonstração da ocorrência de dano no art. 3º, inc. VII, da Lei 13.979/20, entende-se ainda imprescindível a sua comprovação, sob pena de caracterização de enriquecimento sem causa do particular. Assim, recomenda-se que os casos de requisição administrativa possuam acompanhamento jurídico a fim de que transcorram de maneira regular, com a menor onerosidade ao particular e de que se constituam os requisitos para o pleito de indenização posterior.

A última medida prevista pelo art. 3º da Lei 13.979/20 é a autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa. A referida autorização é concedida por meio de ato do Ministro da Saúde e tais produtos devem ser registrados por autoridade sanitária estrangeira e estar previstos em ato do Ministério da Saúde. Não obstante, os gestores locais de saúde podem autorizar a mencionada importação excepcional, desde que previamente autorizados pelo Ministério da Saúde.

Deve-se ainda destacar que as medidas previstas no art. 3º da Lei 13.979/20, quando adotadas, devem resguardar o exercício e funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais. Dessa forma, as medidas de isolamento, quarentena e restrição de locomoção ou entrada e saída do país, quando afetarem a execução desses serviços e atividades, somente poderão ser adotadas em ato específico e em articulação prévia com o poder concedente ou autorizador ou com o órgão regulador. É, ainda, vedada a imposição de restrições à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais, bem como de cargas que possa acarretar o desabastecimento de gêneros necessários à população.

Além das medidas já expostas, a Lei 13.979/20, em seu art. 4º, prevê a aquisição de bens, serviços – inclusive de engenharia – e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública relativa ao coronavírus como hipótese de dispensa de licitação, a qual soma-se, então, às hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 24 da Lei 8.666/93.

Com relação à hipótese de dispensa de licitação inserida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 13.979/20, deve-se destacar que ela possui caráter temporário, aplicando-se apenas enquanto durarem a emergência de saúde pública de que trata a referida lei.

Além da nova hipótese de dispensa de licitação, uma das principais medidas previstas pela Lei 13.979/20 quanto às contratações públicas diz respeito à possibilidade de contratação de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou de contratar com o poder público suspenso, seja em razão de condenação por ato de improbidade administrativa, seja em razão da imposição de sanção prevista na Lei 12.846/13, ou ainda, em razão de aplicação de sanção pelo Tribunal de Contas. Todavia, para que a contratação dessas empresas seja possível, deve ser comprovado que a empresa é a única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Ainda, o art. 4º-A da referida lei autorizou que sejam contratados e adquiridos serviços e bens usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido. Para além disso, há a autorização normativa de redução pela metade dos prazos dos procedimentos licitatórios na modalidade pregão cujo objetivo seja a aquisição de bens, serviços ou insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata a lei e, na hipótese de haver restrição de fornecedores, passou a ser possível a dispensa, pela autoridade competente, da apresentação de documentos relativos à regularidade fiscal e trabalhista da empresa contratada, ou o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação.

A equipe de Direito Administrativo do RRR fica à disposição para maiores informações sobre o assunto.

Giulia Parreira Xavier do Vale Advogada do RRR Advogados [email protected]

Tiago Souza de Resende Sócio do RRR Advogados [email protected]