As medidas para combater o novo coronavírus e suas repercussões penais
Publicado em 25-03-2020
Algumas das medidas administrativas adotadas pelo poder público para o enfrentamento do surto da COVID-19 têm força cogente e a sua não obediência pode resultar em infringência à legislação penal.
Em suma, existem três crimes dispostos no Código Penal que tratam diretamente do tema, quais sejam: art. 131 (perigo de contágio de moléstia grave); art. 267 (causar epidemia); e art. 268 (infração de medida sanitária preventiva). Tem-se também, em abordagem mais genérica, o crime do art. 330 (desobediência à ordem legal) que poderá ser instrumentalizado pelas autoridades públicas em caso de infringência de medidas e determinações legais.
O crime descrito no art. 268 do Código Penal, que tem como conduta proibida “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, prevê pena de um mês a um ano, sendo esta aumentada de um terço se a pessoa é funcionário da saúde pública ou exerce profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro. Como se pode ver, a redação do referido tipo penal não aponta explicitamente quais são as “determinações do poder público” que não podem ser infringidas, carecendo, portanto, de norma extrapenal que a integre e complemente seu significado.
O Governo Federal, em 06 de fevereiro de 2020, publicou a Lei nº 13.979/2020, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública provocada pela pandemia do coronavírus, prevendo medidas como isolamento, quarentena, realização compulsória de exames, testes, coleta de amostras, vacinação e tratamentos médicos de caráter compulsório, dentre outras.
Sobreveio, então, a Portaria Interministerial nº 5, publicada em conjunto pelos Ministérios da Saúde e Justiça, que dispõe sobre a compulsoriedade das medidas emergenciais previstas na mencionada Lei nº 13.979/2020 e menciona expressamente a sujeição de seus infratores às sanções dos arts. 268 e 330 do Código Penal, se o fato não constitui crime mais grave.
Por se tratar de norma extrapenal, que alarga o âmbito de incidência do Direito Penal, é necessário que se faça a análise de quais seriam os destinatários da determinação do poder público que estariam sujeitos às sanções penais em caso de descumprimento.
Frisa-se que o indivíduo comum do povo, a quem não foi determinada de modo específico e expresso o cumprimento de quaisquer medidas previstas na Lei nº 13.979/2020, não pode responder criminalmente pelo não cumprimento das medidas, já que há necessidade da autoridade de saúde determinar de modo expresso e claro o seu implemento.
De todo modo, para que a pessoa responda pela prática dos crimes do art. 258 e art. 330, necessário que haja a determinação específica para a realização compulsória de determinada atividade (realização de exame médico, por exemplo) ou, pelo inverso, a proibição da prática de determinado ato (proibição da reunião de pessoas em locais públicos, por exemplo).
A incidência da norma penal, nas hipóteses tratadas acima, depende, então, da existência de regulamentação e também do conteúdo da proibição ou determinação obrigatória, sempre de caráter específico e determinado, não havendo de incidir sobre o particular em que não pese nenhuma obrigação legal ou regulamentar especial. Necessário atentar-se também para as regulamentações de ordem sanitária instituídas para o âmbito das empresas, indústrias, negócios e comércios em geral, que podem conter regulações de como e quando funcionar, número de funcionários, medidas de higiene para os empregados e colaboradores, etc. A infringência das normativas administrativas nesse sentido podem atrair a aplicação dos crimes acima mencionados.
Lembre-se que as determinações administrativas para a contenção da pandemia podem ser instituídas pelo poder público de modo mais restrito ou mais amplo, com viés mais brando ou mais severo, a depender da necessidade vislumbrada, havendo margem discricionária no manejo de tais determinações pela administração pública.
Ainda em matéria de coronavírus, outro ponto a ser ressaltado, é o tratamento dado pelo Poder Judiciário à população carcerária no enfrentamento e contenção do contágio da COVID-19. Por se tratar de população extremamente vulnerável, aos presos têm sido adotadas várias medidas em âmbito nacional e estadual visando a contenção do contágio e disseminação da doença nesse quadrante.
O Conselho Nacional de Justiça encaminhou recomendação aos Tribunais e magistrados do país para avaliação do cabimento de prisão domiciliar para os presos que se encontrem cumprindo pena em regime aberto ou semiaberto, suspendendo a obrigatoriedade de apresentação em juízo desse grupo de presos pelo prazo de 90 dias. O texto da recomendação pretende ainda a suspensão das audiências de custódia, mantendo-se as análises dos casos de prisão em flagrante. É recomendada, ainda, a reavaliação de prisões cautelares, temporárias e preventivas, de pessoas que se enquadram nos grupos de risco da COVID-19.
Por todo o País, desde o aumento significativo do número de casos confirmados e suspeitos de infecção por coronavírus, podem ser vistas diversas medidas sendo tomadas no âmbito da administração prisional e na esfera do Poder Judiciário. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) suspendeu por 30 dias os atendimentos de advogados, visitas, as atividades educacionais, de trabalho, as assistências religiosas e as escoltas nos presídios do Sistema Penitenciário Federal. Na Bahia, o Tribunal de Justiça transferiu os presos por débito alimentar para prisão domiciliar, em acolhimento a habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública daquele Estado. Por outro lado, em São Paulo, a Corregedoria-Geral de Justiça atendeu solicitação da Secretaria de Administração Penitenciária e suspendeu as saídas temporárias dos presos que têm direito ao benefício sob o fundamento de que, depois de cumprida a saída temporária, ao retornarem ao sistema prisional, os detentos seriam potenciais transmissores do COVID-19 aos demais.
A equipe de Direito Penal do RRR fica à disposição para maiores informações sobre o assunto.
Tiago Souza de Resende Sócio do RRR Advogados [email protected]
Guilherme Gomes Sabino Advogado do RRR Advogados [email protected]