É possível a retroatividade do ANPP, decide Ministro Gilmar Mendes

Publicado em 29-09-2021

O caso prático que ensejou a questão no STF é de um habeas corpus, no qual se pede a aplicabilidade retroativa do acordo de não persecução penal (ANPP), mesmo ainda estando pendente de julgamento, no caso concreto, quando da entrada em vigor da Lei 13.964/19, um agravo em recurso especial.

O voto do Relator anota que a possibilidade de aplicação do instituto aos processos em curso tem sido objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial no que diz respeito à sua natureza e consequente retroatividade mais benéfica, e deixa claro que o marco para análise dos casos deve ser a situação do processo na data da entrada em vigência da legislação.

Ressaltou que a questão é de absoluto interesse constitucional, regulada pelo art. 5º, inc. XL, da CR/88, cuja dicção assevera que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” O caso, assim, discute a potencial aplicação do acordo retroativamente, visto que possui características de natureza mista ou processual com conteúdo material.

Sobre o tema, o Relator conclui e explica sobre a possibilidade de retroatividade do instituto em questão:

Portanto, respeitosamente, não há como conciliar o reconhecimento da natureza processual com conteúdo material sobre ANPP com a aplicação da regra de retroatividade do artigo 2º do CPP, restrita a normas processuais. Nos termos da doutrina majoritária e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, no caso de normas de natureza mista e processuais de conteúdo material, deve-se aplicar a regra de retroatividade de direito penal material

Outra questão tormentosa e que integra a proposição de tese procura saber se é potencialmente cabível o acordo mesmo em casos nos quais o imputado ainda não tenha confessado a prática delitiva, durante as investigações ou ao longo da ação penal. Destacou-se as várias divergências existentes entre julgados nos Tribunais brasileiros, o que certamente refletirá em visões díspares também no âmbito do STF.

Ressaltando que a retroatividade e o potencial cabimento do acordo de não persecução penal são questões afeitas à interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados, o voto elencou a necessidade de debate das seguintes questões: (i) a natureza jurídica do ANPP como negócio jurídico processual para conformidade do imputado à acusação; (ii) a finalidade do acordo e suas distinções em relação à colaboração premiada; (iii) direito intertemporal e retroatividade do acordo como norma de direito processual com conteúdo material.

O Ministro Gilmar Mendes, relator do referido habeas corpus, assim, propôs a fixação da seguinte tese para apreciação de seus pares:

É cabível o acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgado) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento. Ao órgão acusatório cabe manifestar-se motivadamente sobre a viabilidade de proposta, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP.”

Para ter acesso a integralidade do voto clique aqui.

A equipe de Direito Penal do RRR fica à disposição para maiores informações sobre o assunto.

Tiago Souza de Resende

Sócio do RRR Advogados

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Guilherme Gomes Sabino

Advogado do RRR Advogados

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