Lei 13.606/2018 permite à União impedir a alienação de bens de devedores com débitos inscritos em Dívida Ativa
Publicado em 09-04-2018
Vista por alguns como meio que trará importantes mecanismos para aumentar a eficiência da recuperação dos créditos da União, e por outros como instrumento de violação dos direitos constitucionais ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, é certo que a Lei 13.606/2018 alterou, por meio do seu art. 25, a Lei 10.522/2002 – que Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, de modo a permitir que a União, mediante a prática de mero ato administrativo, possa, sem qualquer prévia decisão judicial, tornar indisponíveis bens e direitos dos devedores que não realizem o pagamento dos débitos inscritos em Dívida Ativa no prazo legal de 05 dias, contados da Notificação do devedor a ser promovida pela União.
Em linguagem clara, a União deu a si mesma o direito não só de inscrever o nome de seus devedores nos órgãos de restrição ao crédito (SPC e SERASA), como também de, unilateralmente, tornar indisponível o seu patrimônio, impedindo que ele seja transferido a terceiros. Isso significa que os bens de devedores da União passíveis de registro, como imóveis, automóveis, embarcações e aeronaves possam ser previamente identificados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e sofrer restrição administrativa que impede sua alienação, mas que será cancelada/retirada tão logo o devedor promova o pagamento do débito.
Segundo a PGFN, os estudos por ela elaborados no período de 2012 a 2017 permitiram a conclusão de que devedores já inscritos em Dívida Ativa promoveram a alienação de seus bens em montante superior a R$50 bilhões, o que acarretou prejuízos não só à União, como também terceiros de boa-fé que adquiriram esses bens. Dessa forma, o fato de se permitir a indisponibilidade administrativa de tais bens, segundo a PGFN, prevenirá a necessidade de desconstituição das alienações pela via judicial, sob a alegação de fraude à execução prevista no art. 185 do CTN, o que poderia durar anos ou décadas, levando à perda da eficiência na recuperação do crédito público.
Dessa forma, o posicionamento da PGFN é no sentido de que a indisponibilidade do bem permitirá a proteção de terceiros de boa-fé que, ao terem adquiridos tais bens de propriedade desses devedores, viam-se surpreendidos posteriormente com a ordem de penhora, tendo que arcar com enormes prejuízos decorrentes dessa constrição.
Outra explicação da PGFN para a alteração legal promovida, é a de que a indisponibilidade administrativa dos bens também viabilizará o ajuizamento seletivo de ações, conforme previsão constante do art. 20-C da Lei 10.522/2002, uma vez que se pretenderá o ajuizamento de ações apenas contra aqueles devedores com patrimônio previamente identificado, e com débitos cuja legalidade já tenha sido previamente confirmada pela PGFN – somente aquelas inscritas em Dívida Ativa –, evitando-se assim que demandas judiciais ineficazes e infundadas sejam propostas.
Há, de outro lado, quem defenda que as medidas previstas na referida Lei são inconstitucionais. Isso porque o art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, determina expressamente que ‘‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’’. Dessa forma, a indisponibilidade por requerimento administrativo, sem o devido processo legal (também previsto no art. 185-A do Código Tributário Nacional), pode ser interpretada como privação do direito de propriedade do devedor (art. 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal), pois impede que ele exerça, sem a propositura de ação judicial para cobrança do débito, sua faculdade de dispor de seus bens. Considerando que a Lei não prevê expressamente quais bens poderão ser objeto de indisponibilidade por tal medida administrativa, há quem entenda também ser possível que a indisponibilidade recaia sobre contas bancárias, o que significa dizer que recursos financeiros dos devedores, utilizados para sua subsistência e de sua família, possam ser bloqueados sem o devido processo legal.
A esse respeito, destaca-se observação feita pela PGFN no sentido de que as alterações trazidas pela Lei 13.606/2018 permitem apenas a declaração de indisponibilidade dos bens, de modo que, para que os bens possam ser expropriados pela União – que é a perda da propriedade do bem, pelo devedor, para saldar a dívida –, ainda será necessária prévia decisão judicial nesse sentido. Além disso, as alterações não permitirão que aplicações financeiras sejam atingidas pela medida.
Fato é que, mesmo sendo considerada por alguns (ou muitos) como iniciativa legislativa de moralidade e legalidade duvidosas, as alterações trazidas pela referida Lei promoverão a defesa de direitos de terceiros de boa-fé, permitirá a redução de demandas judiciais, assim como a prática de atos que configurem a fraude à execução prevista no art. 185 do Código Tributário Nacional, sendo certo que a indisponibilidade administrativa de bens de devedores do Estado é prática já adotada pelas Administrações Tributárias internacionais, sendo a sua efetividade reconhecida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como medida de salvaguarda do crédito público.
Diana Val de Albuquerque Silva Advogada de Direito Processual Civil do RRR [email protected]