Relações de trabalho em tempos de coronavírus
Publicado em 25-03-2020
As legislações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, em razão da pandemia do coronavírus, as quais alteraram, inclusive, as regras de funcionamento das atividades empresariais (e.g. Decreto Municipal n° 17.304/2020), vêm impondo às empresas que se reestruturem e repensem as suas formas de organização do trabalho.
Nesse sentido, a recentíssima MP n° 927, de 22 de março de 2020 veio dispor sobre as medidas possíveis de serem adotadas pelas empresas em relação a seus trabalhadores durante o período de calamidade pública, decorrente do novo coronavírus.
Dentre as opções relacionadas pela MP, destacam-se o teletrabalho; a concessão de férias; a antecipação de feriados; a compensação de jornada; e a suspensão do contrato de trabalho para qualificação do empregado.
Os principais pontos da MP que dirimiram dúvidas e riscos trabalhistas foram a expressa autorização para estipulação do regime de teletrabalho, independentemente de concordância do empregado; além de possibilitar a comunicação das férias com antecedência mínima de 48h.
Isso porque, no caso das férias, o art. 135 da CLT exige que a comunicação do período de recesso ao empregado deve ser feita com antecedência mínima de 30 dias, enquanto a MP possibilitou que esse prazo fosse encurtado. Ainda, as férias já agendadas podem ser antecipadas mediante acordo individual escrito, devendo os valores ser quitados até o 5º dia útil do mês subsequente, podendo o empregador optar por efetuar o pagamento do terço constitucional até a data do pagamento do 13º salário.
Quanto ao teletrabalho, o art. 75-C, §1º da CLT, prevê que a alteração entre regime presencial e de teletrabalho requer o consentimento do empregado, bem como o registro em aditivo contratual. Apesar de a MP dispor que a referida alteração fica a critério do empregador, prescindindo de registro no contrato de trabalho, continua sendo recomendado que seja pactuado aditivo contratual, com a assinatura do empregado, constando as condições de trabalho, a existência ou não de controle de jornada e a instrução sobre saúde e segurança do trabalho. Também é possível que se pactue que o aditivo será por tempo determinado, enquanto perdurar a necessidade de isolamento/quarentena, conforme orientações das autoridades públicas médicas e sanitárias.
Em relação à antecipação dos feriados, a MP estabelece que, independentemente de acordo individual ou coletivo, poderá ser antecipado o gozo dos feriados não religiosos, federais, estaduais, distritais e municipais, para fins de compensação de saldo em bancos de horas, mediante comunicação do empregado com antecedência mínima de 48h, indicando expressamente os feriados a serem antecipados. Os feriados religiosos, por sua vez, só podem ser antecipados com concordância expressa do empregado. De toda forma, é importante que as empresas observem os requisitos para estipulação, como apresentação de extrato dos feriados antecipados e suas respectivas horas.
Caso a empresa entenda pela necessidade de interromper os serviços por motivo de força maior (perigo manifesto de contágio do novo coronavírus causador da COVID-19), as partes podem acordar pela compensação do período após findo o estado de calamidade pública, por meio de acordo de compensação em banco de horas que pode ser individual ou coletivo, formalizado por escrito, em até 18 meses, observado o máximo de 2 horas extras diárias e jornada limite de 10 horas. É importante também a apresentação de extrato das horas a serem compensadas ou pagas.
Uma das hipóteses mais controversas é a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses para participação do empregado em cursos de qualificação, que deve ser pactuada por escrito e deve ser registrada na CTPS. Durante esse período, o empregador poderá pagar ajuda de custo sem natureza salarial.
Ocorre que em 23/03/2020, um dia após a edição da referida medida provisória, foi publicada a MP 928/2020, que revogou o dispositivo que autorizava a suspensão contratual, de forma que se aguarda novos pronunciamentos do Governo Federal sobre possíveis medidas de suspensão do contrato de trabalho.
Finalmente, a MP também determinou a suspensão da exigibilidade de recolhimento do FGTS dos meses de março, abril e maio de 2020, cujos valores poderão ser recolhidos posteriormente, inclusive de forma parcelada. Todavia, a suspensão e parcelamento aplicam-se apenas aos recolhimentos dos meses de março, abril e maio de 2020. Em caso de dispensa do empregado, o empregador deverá recolher os valores referentes aos meses referidos para promover a rescisão e o pagamento da multa de 40%.
Ressaltamos ainda uma outra opção que pode ser considerada pelos empregadores: redução da jornada com proporcional redução dos salários. Tomando por base a leitura conjunta dos artigos 503 e 611, §3º da CLT, em caso de prejuízo devidamente comprovado por motivo de força maior – como é o caso do coronavírus – o empregador pode reduzir em até 25% a jornada dos empregados, com equivalente redução dos salários, enquanto perdurar o estado de força maior. Todavia, é importante que também conste mecanismos de proteção dos empregados contra dispensa imotivada enquanto perdurar a redução.
Essencial considerar que, ainda que a MP tenha disposto que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados como doenças ocupacionais, excepcional a hipótese de comprovação do nexo causal. Dessa forma, se for provado que houve contaminação de empregados no ambiente de trabalho ou pela natureza do trabalho, poderá ser considerada como acidente de trabalho para fins previdenciários.
A equipe de Direito do Trabalho do RRR fica à disposição para maiores informações sobre o assunto.
Alexandre Orsi Guimarães Pio Sócio do RRR Advogados [email protected]
Aysla Sabine Rocha Teixeira Advogada do RRR Advogados [email protected]