STJ mantém decisões que autorizam bloqueio de documentos do devedor
Publicado em 11-06-2018
Nas ações em que há o esgotamento dos meios previstos legalmente para encontrar bens do devedor passíveis de penhora, justifica-se a adoção de medidas excepcionais para compelir o cumprimento das decisões judiciais e o pagamento do débito pelos devedores, tais como o bloqueio da carteira de motorista e de cartões de crédito, ou mesmo a retenção de passaporte, não havendo que se falar, nesse caso, em violação ao direito de ir e vir do devedor.
Foi assim que decidiu o STJ, ao menos em dois casos (RHC 88490 e HC 428553).
Naquelas oportunidades, os Ministros do STJ concluíram que essa medida é viável e necessária, especialmente quando há indícios de que os devedores estão ocultando patrimônio para frustrar o pagamento das dívidas, mas mantêm alto padrão de qualidade de vida. Além disso, ponderaram os Ministros que a análise da legalidade de adoção dessas medidas excepcionais não estaria necessariamente vinculada à suposta ofensa ao direito constitucional de ir e vir dos devedores.
Segundo o STJ, portanto, trata-se de medida legal, viabilizada pela previsão contida no art. 139, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil (“NCPC”), por meio do qual é autorizado ao magistrado o uso de todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” necessárias para o cumprimento das decisões e para o pagamento do débito.
É necessário ressaltar que, antes da vigência do NCPC, os credores contavam apenas com os meios tradicionais de penhora e expropriação de bens, de modo que essa inovação permitiu que os credores pudessem encontrar novos meios para forçar o pagamento dos débitos.
No entanto, a interpretação dada ao art. 139, inciso IV, NCPC, vem dividindo opiniões.
De um lado, alguns entendem que essa medida, além de ofender o direito constitucional de ir e vir, não representa a verdadeira intenção do legislador, pois, sob a ótica da adequação da medida no âmbito da execução civil, o devedor não deve responder diretamente, como pessoa física, pelos débitos que contrai, mas sim, com a constrição/penhora de seus bens (art. 824, NCPC). Ademais, tal medida pode vir a ser ineficaz e até mesmo prejudicial ao credor, uma vez que a retenção de passaportes ou de carteira de motorista não garantirá o recebimento do crédito se o devedor não possui mais bens para honrar os pagamentos, além do que a retenção dos seus documentos pode até mesmo impedi-lo (profissionalmente) de conseguir recursos financeiros para pagamento das dívidas. Nesse sentido, essa autorização não passaria de uma decisão de natureza “vingativa”, buscada pelo credor para atingir a pessoa do devedor em razão do inadimplemento.
De outro lado, há quem defenda a eficácia e legalidade da adoção dessas medidas, no sentido de que o direito de ir e vir deve ser compatibilizado com outros direitos, até mesmo porque a tutela jurisdicional também é um direito fundamental. Além disso, tais medidas não devem ser adotadas para aqueles casos em que o devedor não tem mais condições para honrar qualquer compromisso financeiro ou esteja passando dificuldade financeira momentânea, mas sim para aqueles devedores chamados “contumazes”, que, cientes do débito, ocultam e blindam o seu patrimônio para frustrar o pagamento, e mesmo assim mantém alto padrão de vida e rotinas sociais de ostentação.
Há, no entanto, um consenso quanto ao fato de que essas medidas excepcionais devem ser adotadas de forma razoável e adequada, apenas após o esgotamento de todos os meios, pelo credor, de tentar localizar bens do devedor para pagamento do débito.
Fato é que, à luz do entendimento adotado pelo STJ nas mencionadas decisões, conclui-se que a autorização de tais medidas não deve ser analisada pela ótica da restrição da liberdade de ir e vir do devedor – como vêm decidindo alguns Tribunais estaduais –, mas sim pela ótica da adequação da medida no âmbito da execução civil, observando-se, de um lado, a adoção do meio menos gravoso para o devedor, e de outro, o direito do credor de buscar os meios necessários para recebimento do seu crédito.
Percebe-se, ainda, que a solução para essa controvérsia não virá com a criação de teses jurídicas para aplicação objetiva no caso concreto; caberá ao magistrado, na verdade, analisar caso a caso, para decidir pela viabilidade e eficácia da adoção dessa medida.
Diana Val de Albuquerque Silva Advogada de Direito Processual Civil do RRR [email protected]